Eva Furnari
Contado: Mª Cristina Nunes da Silva
Lolo Barnabé
Eva Furnari
No tempo em que as pessoas moravam em cavernas, existiu um homem muito
criativo e inteligente chamado Lolo Barnabé.
Aos vinte anos, Lolo casou-se com Brisa. Ela também era como ele,
criativa e inteligente. Casaram-se por amor. Muito amor.
Depois da lua-de-mel, escolheram a melhor caverna da região para morar
e, logo no primeiro ano de casamento, tiveram um filho, o Finfo Barnabé, também
criativo e inteligente.
Todos os dias, Lolo saía para caçar e colher frutas.
À noite, sentavam-se todos em volta da fogueira, assavam a carne,
cantavam canções e agradeciam a Deus pela beleza da vida.
Eram muito felizes.
Eram muito felizes... mas nem tanto.
A caverna era úmida.
Por essa razão, Lolo e Brisa acharam melhor construir uma casa no alto
do morro.
Teriam mais conforto e poderiam viver melhor. Lolo, que era muito
habilidoso, fez uma casa linda, e a família, mudou-se para lá. Brisa queria que
a casa fosse amarela e Lolo, que amava a esposa e lhe fazia todas as vontades,
pintou a casa de amarelo.
O tempo passou e eles estavam felizes... mas nem tanto.
Brisa não gostava de vestir aquela pele de animal. Sentia frio.
Então eles tiveram a idéias de fazer roupas mais adequadas. E, como ela
também era muito habilidosa, inventou o vestido.
Ficou animada e, em seguida, inventou o sutiã, a calcinha, a cueca, a
camisa, a calça, a bermuda e o pijama. E Lolo inventou sapatos que combinassem.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Brisa achou que faltava uma coisa e falou para Lolo:
_ Amor, não podemos deixar nossas belas roupas pelo chão. Você não acha
que poderíamos fazer assim uma espécie de móvel para guardar a roupa?
Lolo achou que era uma excelente idéia, tudo ia ficar mais limpo, e
inventou o guarda-roupa. Como era muito habilidoso, fez um grande armário de
cerejeira, cheio de gavetas, portas e puxadores cromados.
Finfo adorou, já tinha um lugar para se esconder quando brincasse de
esconde-esconde com o pai.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lolo tinha feito uma bagunça danada para construir o armário e Brisa
ficou irritada.
Lolo, então para acalmar a mulher, inventou uma oficina longe de casa
para não atrapalhar a felicidade do lar. E fez.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
No lar havia problemas. Finfo acordava sempre com o pijama sujo depois
de dormir no chão.
Brisa discutiu a questão com Lolo e eles acharam que podiam construir
uma espécie de coisa assim, de madeira, com quatro pés, macia por cima. Ia ser
muito mais confortável e a vida deles ia melhorar.
Lolo pensou bastante, trabalhou muito e inventou a cama. Como todos
sabem, Lolo era caprichoso, e já inventou a cama com colchão, lençol, cobertor
e travesseiro.
Brisa ficou encantada, principalmente com o travesseiro, que era a
coisa mais macia do mundo.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Como eles almoçavam e jantavam em cima da coisa macia, a cama, estavam
sujando muito os lençóis.
Lolo, então, inventou a mesa.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Acharam muito desconfortável comer em pé.
Lolo trabalhou bastante e inventou a cadeira. Muito confortável, muito
confortável mesmo, bem melhor que comer em pé. Aproveitou para
ficar sentado por mais uma hora, pois ele estava cansado de tanto inventar e
construir coisas, além de caçar e colher frutas, é claro.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lolo e Brisa estavam achando que cozinhar na fogueira dava muito
trabalho e eles não queriam trabalhar tanto. Se inventassem algo mais prático,
teriam mais tempo para ficar juntos, se divertir e descansar. Inventaram,
então, o fogão a gás.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lavar a roupa lá no rio também era coisa dura. Brisa e Lolo queriam
facilitar essa tarefa. Pensaram muito e inventaram a água encanada e o tanque.
E, já que tinham inventado a água encanada, inventaram logo o banheiro para não
ter que ir ao mato, à noite, no frio.
Deu trabalho, Lolo já trabalhava oito horas por dia, inventando e
construindo coisas e, apesar do cansaço, o resultado compensava.
O banheiro ficou maravilhoso.
Fizeram uma festa com o sabonete, o xampu, o condicionador, o creme
hidratante, a esponja de banho, o talco, o papel higiênico, o perfume, o mercurocromo,
o algodão, o barbeador elétrico, o desodorante, etc...
Lolo adorou o creme, a lâmina de barbear, a loção pós-barba, o
barbeador elétrico, o desodorante, etc.
Ficaram encantados com a escova de dente, o creme dental, o protetor
solar, o colírio, etc.
Divertiram-se muito com o pente, a escova, o grampo, o secador de
cabelo, etc.
E enlouqueceram de alegria com o espelho.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Lolo tinha tanto trabalho e passava tantas horas por dia fora de casa,
inventando coisas para dar conforto e facilitar a vida, que ficava estressado e
com saudades do filho, que sempre estava dormindo quando ele chegava. Então
Lolo inventou o telefone, para que eles pudessem se falar diversas vezes por
dia.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Pelo telefone não dava para abraçar, nem beijar. Então tiveram a idéia
de Brisa ajudá-lo na oficina, assim Lolo poderia chegar mais cedo do trabalho
para abraçar e beijar o filho.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Brisa e Lolo, à noite, quando chegavam do trabalho, depois de abraçar e
beijar o filho Finfo, ainda tinha que lavar a louça. A roupa, fazer o jantar,
passar pano no chão e ficava cansados, irritados, briguentos e enjoados de
fazer todos os dias aquilo tudo. Naquele tempo ainda não tinham inventado a
pizza delivery.
Acharam que a solução era facilitar as tarefas. Pensaram tanto que
quase fritaram o cérebro quando inventaram, de uma só vez:
O liquidificador, a batedeira, a centrífuga, a cafeteira, o espremedor,
a garrafa térmica, etc.
O microondas, a torradeira, a sanduicheira, etc.
A máquina de lavar roupa, o sabão em pó, o detergente, o amaciante, o
alvejante, o desinfetante, etc.
A geladeira, o freezer, a despensa, etc.
A máquina de lavar louça, a
secadora, o balde, o esfregão, a lata de lixo, etc.
O carpete, o aspirador de pó, o tira-manchas, etc.
E, finalmente, inventaram o fim de semana que ninguém é de ferro.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Sempre tinha algum aparelho que encrencava e isso era uma dor de cabeça
danada.
Eles tinham que levar para a oficina para consertar e, como já estavam
acostumados com o conforto, ficavam extremamente irritados e impacientes de
fazer as coisas na mão. Coisinhas como lavar a louça, a roupa, bater ovos...
Além do mais, a família Barnabé, agora era chique.
Lolo, Brisa e Finfo passaram a achar importante estarem sempre bonitos
e elegantes. Não queriam mais andar de qualquer jeito, com a roupa amarrotada.
Não ficava bem.
Lolo inventou, então, o ferro de passar.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Dava um trabalho danado passar a roupa. E Brisa não tinha mais tempo,
afinal ela não tinha mais tempo, afinal ela trabalhava fora.
E Lolo, sessa vez, não se sabe por que, não conseguiu inventar uma
máquina de passar roupa. Deve ter dado um tilt, nas idéias dele.
Mas é compreensível, porque, afinal, ele também era humano e ás vezes
falhava.
Lolo ficou muito deprimido e pensativo, mas a mulher foi compreensiva e
arranjou uma solução: chamou sua prima para vir todos os dias passar a roupa.
Era uma ótima idéia, porque ela poderia fazer também as outras tarefas
da casa. Assim Brisa teria tempo para inventar e fazer coisas na oficina.
A prima queria alguma recompensa por trabalhar na casa e então eles
inventaram o dinheiro e deram para ela um salário. Como era pouquinho, chamaram
de “salário mínimo”.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Finfo ficava sozinho o dia inteiro sem a mãe nem o pai por perto.
Sentia-se infeliz, não tinha com quem brincar, já que a prima Fe Brisa também
só ficava cuidando da casa.
Então Lolo e Brisa inventaram a televisão, o sofá e o controle remoto.
Todos ficaram felizes... mas nem tanto.
Eles chegavam à noite tão cansados do trabalho e o Finfo querendo
brincar e eles querendo descansar que acabavam brigando. Depois, também,
cansados de brigar, sentavam-se todos na frente da televisão e ficavam
hipnotizados e mudos como sacos de batata.
A família Barnabé sentia que alquilo não estavam bom. Havia alguma
coisa errada naquela história, mas era difícil, bem difícil, entender o que é
que estava errado. A situação parecia um grande nó.
Lolo e Brisa pensaram logo em inventar mais alguma coisa, mas pela
primeira vez não sabiam o que fazer. E, na verdade, pela primeira vez também
perceberam que não era o caso de inventar mais nada.
Então eles foram para o quintal, acenderam uma fogueira e sentaram-se
em volta dela, muito tristes, buscando uma saída.
Olhando para o fogo, entenderam que eles mesmos tinham criado aquela
situação.
Era como uma armadilha.
Ficaram muito infelizes... mas nem tanto.
Lolo contou uma história e Finfo contou outra. Brisa entoou uma canção
e lembrou-se de fazer algo que havia muito tempo não fazia: agradecer a Deus
pela beleza da vida.
Finalmente entenderam que, se eles mesmos tinham feito aquela
armadilha, eles mesmos poderiam desfazê-la.
Eles eram bem criativos e inteligentes
Este conto utilizei os pincéis como personagens e o flanelógrafo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário